terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ano 5 . Nº 68 . Setembro 2010 - Edição Especial: Álvares de Azevedo

Manuel Antônio Álvares de Azevedo, nasceu em São Paulo, 12 de setembro de 1831. Foi contista, dramaturgo, poeta e ensaísta. Faleceu em 25 de abril de 1852 na cidade do Rio de Janeiro.
Poema: 12 DE SETEMBRO
I
O SOL ORIENTAL brilha nas nuvens,
Mais docemente a viração murmura
E mais doce no vale a primavera
Saudosa e juvenil e toda em rosa
Como os ramos sem folhas
Do pessegueiro em flor.
Ergue-te, minha noiva, ó natureza!
Somos nós - eu e tu - acorda e canta
No dia de meus anos!
II
Debalde nos meus sonhos de ventura
Tento alentar minha esperança morta
E volto-me ao porvir.
A minha alma só canta a sepultura -
Nem última ilusão beija e conforta
Meu ardente dormir.
III
Tenho febre - meu cérebro transborda,
Eu morrerei macebo - inda sonhando
Da esperança o fulgor.
Oh! cantemos ainda: a última corda
Treme na lira... morrerei cantando
O meu único amor!
IV
Meu amor foi o sol que madrugava,
O canto matinal da cotovia
E a rosa predileta...
Foi um louco, meu Deus, quando tentava
Descorado e febril nodoar na orgia
Os sonhos de poeta...
V
Meu amor foi e verde laranjeira
Que ao luar orvalhoso entreabre as flores
Melhor que ao meio-dia
As campinas - a lua forasteira,
Que triste, como eu sou, sonhando amores
Se embebe de harmonia. -
VI
Meu amor foi a mãe qeu me alentava,
que viveu e esperou por minha vida,
E pranteia por mim...
E a sombra solitária que eu sonhava
Lânguida como vibração perdida
De roto bandolim...
VII
Eu vaguei pela vida sem conforto,
Esperei o meu anjo noite e dia
E o ideal não veio...
Farto da vida, breve serei morto...
Não poderei ao menos na agonia
Descansar-lhe no seio...
VIII
Passei como Don Juan entre as donzelas,
Suspirei as canções mais doloridas
E ninguém me escutou...
Oh! nunca à virgem flor das faces belas
Sorvi o mel nas longas despedidas...
Meu Deus! ninguém me amou!
IX
Vivi na solidão - odeio o mundo
E no orgulho embucei meu rosto pálido
Como um astro na treva...
Senti a vida um lupanar imundo -
Se acorda o triste profanado, esquálido
- A morte fria o leva...
X
E quantos vivos não caíram frios,
Manchados de embriaguez da orgia em meio,
Nas infâmias do vício!
E quantos morrerão inda sombrios
Sem remorsos dos loucos devaneios...
- Sentindo o precipício!
XI
Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida
Nas artérias ateia o sangue em lava
E o cérebro varia...
O século na vaga enfurecida
Levou a geração que se acordava...
E nuta de agonia...
XII
São tristes deste século os destinos!
Seiva mortal as flores que despontam
Infecta em seu abrir -
E o cadafalso e a voz dos Girondinos
Não falam mais na glória e não apontam
A aurora do porvir!
XIII
Fora belo talez em pé, de novo
Como Byron surgir, ou na tormenta
O herói de Warteloo
Com sua ideia iluminar um povo,
Como um trovão nas nuvens que rebenta
E o raio derramou!
XIV
Fora belo talvez sentir no crânio
A alma de Goethe, e reunir na fibra
Byron, Homero e Dante;
Sonhar-se num delírio momentâneo
A alma da criação, e o som que vibra
A terra palpitante...
XV
Mas ah! o viajar nos cemitérios
Nessas nuas caveiras não escuta
Vossas almas errantes,
Do estandarte da sombra nos impérios
A morte - como a torpe prostituta -
Não distingue os amantes.
XVI
Eu pobre sonhador - em terra inculta
Onde não fecundou-se uma semente
Convosco dormirei,
E dentre nós a multidão estulta
Não vos distinguirá a fronte ardente
Do crânio que animei...
XVII
Oh! morte! a que mistério me destinas?
Esse átomo de luz que inda me alenta,
Quando o corpo morrer -
Voltará amanhã - aziagas sinas! -
Da terra sobre a face macilenta
A esperar e sofrer?
XVIII
Meu Deus, antes - meu Deus - que uma outra vida,
Com teu sopro eternal meu ser esmaga
E minha alma aniquila...
A estrela de verão no céu perdida
Também às vezes teu alento apaga
Numa noite tranquila!...